O 19º Encontro Estadual do PT, responsável por traçar as diretrizes e estratégia eleitoral para o próximo período, eleições de 2018, teve um falso embate a serviço da desconstrução de nossa missão histórica com a luta das mulheres.
Como delegados eleitos, homens, não podemos deixar de expor nossa indignação em vários momentos, em particular a respeito dos argumentos que buscaram antagonizar a formulação histórica das mulheres petistas: “Não há socialismo, sem feminismo”. Na condição de homens segue nossa opinião:
O Partido dos Trabalhadores foi o primeiro abrigo das formulações das mulheres que acreditam que homens e mulheres são produto de uma construção social e que as diferenças foram transformadas em desigualdades. Essa relação se construiu baseada em uma assimetria que designou a supremacia do masculino em detrimento do feminino.
A batalha das mulheres no interior do PT foi capaz de apontar um novo paradigma seguido por diversas organizações de esquerda no Brasil.
Ao abraçar as demandas das mulheres, inicialmente no 1º Congresso (1991), diferentemente do propugnavam muitos que essa seria uma medida Pós-Moderna, as importantes medidas aprovadas não rebaixaram nosso programa e estratégia partidária. Na verdade, tornou possível desvelar um longo debate presente na esquerda, que atribuía às lutas identitárias o principal elemento responsável por dividir a luta da classe trabalhadora.
A realidade objetiva mostrou que não é possível propor um programa que não seja capaz de dialogar com a classe trabalhadora em suas múltiplas faces e interesses específicos.
O primeiro ponto é admitir que os homens da classe operária mantêm privilégios em detrimento das mulheres, e isso se manifesta em diversos campos: na divisão social do trabalho, no cuidado com a casa e os filhos, nos salários inferiores – enfim as mulheres da classe trabalhadora estão em piores condições que os trabalhadores.
Essa não é uma invenção das feministas, mas a dura realidade da vida cotidiana. Beth Lobo foi cirúrgica ao desvelar esse problema em seu livro da década de 90, “A classe operária tem dois sexos”.
Portanto em um encontro do Partido foi Trabalhadores, aos dezoito anos do século XXI, ouvir em diversos momentos que existe uma dicotomia entre a luta das mulheres e a luta pelo socialismo é, no mínimo, um grande retrocesso. Não entender que não há uma divisão entre o socialismo e feminismo, mas sim uma forte articulação entre duas opressões que as trabalhadoras são submetidas, tendo como grande vencedor o capitalismo, é minimamente, decepcionante e desmobilizador.
O mais complicado é buscar justificar seus argumentos no posicionamento das grandes lideranças do movimento socialista dos séculos XIX e XX. Cada um interpreta os movimentos históricos conforme suas convicções, mas felizmente tem muito escrito por essas lideranças que entenderam qual papel as mulheres devem cumprir nas mudanças propostas pelo socialismo.
Em uma troca de correspondência entre Lenin e Clara Zetckin é possível denotar que a importância da organização das mulheres era algo presente no início do século, vejamos:
“Devemos criar necessariamente um poderoso movimento feminino internacional, fundado sobre uma base teórica clara e precisa» — começou ele, depois de haver-me saudado. «É claro que não pode haver uma boa prática sem teoria marxista. Nós, comunistas, devemos manter sobre tal questão nossos princípios, em toda sua pureza. Devemos distinguir-nos claramente de todos os outros partidos. Infelizmente, nosso II Congresso Internacional não teve tempo de tomar posição sobre esse ponto, embora a questão feminina tivesse sido ali levantada. A culpa é da comissão, que faz com que as coisas se arrastem. Ela deve elaborar uma resolução, teses, uma linha precisa. Mas até agora seus trabalhos não avançaram muito. Deveis ajudá-la.”
O seguinte trecho é parte de artigo de autoria da comunista alemã Clara Zetkin relatando diálogo com Lenin, chefatura do Partido bolchevique e da Revolução Russa – sobre a questão feminina, nos anos 1920.
Não é possível falar de Clara Zetkin sem relacionar a luta contra a opressão das mulheres. Somente para conhecimento, em 1891 ela fundou a revista “A Igualdade”, formada por mulheres, que teve vigência até 1917, e se converteu no meio de expressão oficial da Internacional de Mulheres Socialistas. Seu objetivo era mudar o pensamento dos homens que a acompanhavam em seu partido. Em 1908, foram abolidas as leis onde as mulheres eram proibidas de participar das atividades políticas. No entanto, se começaram a ter voz dentro do Partido, tinham que continuar lutando para ter voto e passar a ser independentes.
Portanto, não reconhecer a necessidade de articular as palavras de ordem “Sem feminismo não há socialismo”, é não reconhecer a atual etapa de luta que vivemos em nosso país. O PT é vítima de um conjunto de perseguições que são parte da luta pela libertação do povo brasileiro. Os ataques de que somos vítimas por defender o direito das mulheres terem autonomia sobre seus corpos, da livre orientação sexual, do direitos das mulheres por trabalho igual salário igual, o direito das trabalhadoras domésticas, enfim somos perseguidos porque fomos capaz de verbalizar na sociedade aquilo que é bandeira das mulheres e que na maioria das vezes compõe o final de todas as nossas pautas.
As mulheres que são vítimas de todo tipo de preconceito e violência esperam de nosso partido, o dos Trabalhadores, ver espelhado em seu programa e em suas bandeiras a defesa “das debaixo”, aquelas que não fazem parte da história oficial, e quando ousam traçar outro caminho do não escrito pela sociedade, como Dilma Rousseff, seu caminho é encurtado pela mobilização do machismo que – inconformado com o país dirigido por uma presidente – foi vítima de um golpe.
É nesse contexto que se inseriu nosso apoio à candidatura de Juliana Cardoso ao Senado, cumprindo assim a paridade aprovada em nosso congresso partidário. Infelicidade é linda não poder comemorar o cartaz presente em todas as manifestações feministas: “Lugar da mulher é onde ela quiser”, pois na vida real os espaços ainda estão reservados para nós, homens.
Eric dos Santos – Executiva estadual do PT São Paulo.
Tiago Nogueira – Vereador de Santo André de 2009 a 2016, e da coordenação da EPS/SP
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