Violência policial e precária estrutura institucional de proteção social. Essas foram as principais condições a serem enfrentadas pelo poder público que foram apontadas em audiência pública realizada na última quarta-feira (21), na Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo). A reunião foi convocada pelo deputado Eduardo Suplicy (PT), na Comissão de Direitos Humanos da Casa, com o tema “Violência contra a população em situação de rua”.
De acordo com o parlamentar, são mais de 50 mil pessoas só na região da Grande São Paulo vivendo nessas condições. A violência que sofrem, seja da polícia ou agentes não identificados, cujos atos não se tornam alvo de investigação policial, tem como pano de fundo falhas das instituições de segurança em realizar seu trabalho e agir dentro da lei.
A comissão ouviu Edilson Tavares, vice-presidente do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS); Solange Bueno, membro do Fórum Nacional dos Usuários do Sistema Único de Assistência Social (SUAS); e dos representantes dos movimentos de população de rua, Edivaldo Gonçalves, João Batista de Araújo e Robson Correa de Mendonça.
Os participantes descreveram diversas modalidades de violência praticadas cotidianamente pela sociedade e pelo poder público. A violência policial e a precária estrutura institucional de proteção social foram destacadas como principais problemas desse segmento da população.
::Leia também: Nota de repúdio ao ato de violência contra o Movimento de Mulheres Olga Benário::
Um dos episódios mais recentes teve lugar na região de Paraisópolis, na zona sul da capital, no início deste mês. Por lá, em um espaço que tinha ganhado o nome de “Nova Esperança”, moradores que tinham montado estruturas mínimas de proteção ao relento foram expulsos do local pela polícia, que inutilizou ou apreendeu quase a totalidade de seus (pouquíssimos) pertences.
Tratores levados ao local pela Subprefeitura de Campo Limpo deram conta de por abaixo lonas e tábuas que faziam as vezes de casas para cerca de 300 famílias. Se já não podiam ser consideradas, agora, sim, elas se tornaram inapelavelmente parte da massa de 50 mil pessoas vivendo em situação de rua na Grande São Paulo.
Assim, o que ocorre em casos como esse de Paraisópolis é que a atividade do estado não apenas deixa de enfrentar o problema, mas contribui para a sua ampliação. “Casa e trabalho. Sem uma casa, um endereço, não se arruma um trabalho. Sem um trabalho, não se tem acesso a nada. Sem uma casa, nem mesmo o cadastramento em programas sociais é possível”, lembrou Anderson Miranda, da Comissão de População de Rua de São Paulo. “Sem um endereço, todas as portas de acesso na vida se fecham para você”.
A deputada Beth Sahão (PT), também participante da audiência, lembrou que conduta policial violenta é intensificada e evidenciada pela baixa adesão às câmeras nos uniformes dos agentes e pela negligência do governo estadual nas áreas sociais, refletida na escassa destinação de recursos à Secretaria de Desenvolvimento Social, que ficou abaixo de meio por cento do Orçamento deste ano.
O mesmo descaso com o tema se reflete na bancada governista da Alesp, explica a deputada: “As pautas que esta Comissão de Direitos Humanos trabalha têm ficado em segundo plano nas plenárias e agendas controladas pela maioria”.
A parlamentar aponta ainda, ao se referir à ausência de medidas de proteção social que atinjam essa população, que no início da onda de calor deste ano a prefeitura de São Paulo prometera distribuir água gelada e frutas a moradores de rua, mas ficou só na promessa.
Ainda no campo da proteção social, o deputado Eduardo Suplicy defendeu a aplicação o quanto antes da renda básica de cidadania universal, pela qual tanto tem trabalhado, como um dos caminhos para o enfrentamento dessa situação:
“Poderia o governo montar um grupo de trabalho com time de economistas, cientistas sociais e outros técnicos para estudar quais seriam os passos legislativo, na construção de leis que garantam a passagem do Bolsa Família para a universalização da renda básica de cidadania, de tal forma que toda e qualquer pessoa residente tenha o direito de receber uma renda suficiente para atender às suas necessidades vitais”.
Edilson Tavares, do Ministério do Desenvolvimento Social, disse que o CNAS está trabalhando na elaboração dos planos de ação junto ao Fórum Nacional dos Usuários do Sistema Único de Assistência Social que visam ampliar a proteção socioassistencial à população em situação de rua.
Segundo ele, deve haver a articulação entre o poder público e a sociedade civil para garantir o atendimento das demandas de saúde, habitação, trabalho, renda e cultura. Ele mencionou a decisão do STF de proibir a remoção forçada da população e seus bens, até que o plano de ação e monitoramento seja elaborado.
O plano de ação irá estabelecer metas de inovação dos modelos de atendimento, novas estratégias de proteção socioassistencial, a qualificação da gestão no SUAS, a atenção às especificidades regionais e a produção de conhecimento em relação à população de rua.
Deverá prever o uso dos dados dos cadastros e sistemas de informação do governo federal, como o Cadastro Único, para subsidiar as iniciativas públicas, até que o Censo POP Rua seja atualizado. Em resumo, os caminhos de enfrentamento são muitos, mas nenhum passa pelo que a polícia e a Subprefeitura de Campo Limpo fizeram em Paraisópolis no início deste mês.
Leave a Comment