Em 2017 eu tive a honra de assumir uma das tarefas mais gratificantes que poderia ter ocupado na minha vida como militante partidária. Fui escolhida pelas minhas companheiras de partido para conduzir a secretaria de mulheres do PT no Estado de São Paulo, em um encontro que mobilizou quase mil e duzentas filiadas, o maior do país. Vivíamos uma conjuntura pós-golpe contra o mandato legitimamente conquistado pelo voto popular da primeira mulher presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, nosso coração valente.
Tínhamos acabado de sair do 6º Congresso Nacional do PT e pela primeira vez elegemos uma mulher, Gleisi Hoffmann, para presidir nosso partido. E é por sua resiliência e coragem, inclusive para enfrentar as reiteradas tentativas de minar sua autoridade, que estamos conseguindo devolver o Partido dos Trabalhadores para o coração das brasileiras e dos brasileiros que sonham com um futuro melhor.
Primavera Feminista
E junto com nossa presidenta, tantas outras corajosas mulheres assumiram a responsabilidade de organizar e liderar o PT em seus municípios. Afinal, a Primavera Feminista segue florescendo resistência e fazendo emergir toda a potência das mulheres – especialmente de mulheres negras, periféricas e camponesas -, que por tanto tempo tem sido contida pelo patriarcado. Estamos longe de uma sociedade que seja de fato boa para as mulheres, mas é inegável que este caminho vem sendo desbravado. E é gratificante fazer parte dessa história.
Ao olhar para trás e observar os discursos, projeções e análises de quatro anos atrás, percebo o quanto falhamos em antecipar o que estaria por vir. Em nossos delírios mais insanos jamais existiu a imagem de Lula preso numa farsa midiática orquestrada pelos setores mais canalhas do Judiciário. Tão pouco seu impedimento de ser candidato para abrir espaço a um militar expulso do Exército e que, com pautas reacionárias, elegeu mulheres, LGBTs e negras e negros como principais adversários.
#LulaLivre e #EleNão
Mas se os tempos ficaram ainda mais obscuros, a chama da resistência foi o nosso farol. Em Curitiba, durante os 580 dias em que Lula esteve preso, a resistência teve rosto de mulher: fizemos parte da mobilização que ajudou a manter a Vigília Lula Livre e fomos nós a linha de frente na montagem da primeira cozinha comunitária, que depois cresceu e se tornou referência para quem visitava o local. A primeira biblioteca coletiva também teve as mãos das mulheres do PT-SP, que, de tempos em tempos, inventavam formas de colaborar para que aquele fosse um espaço mais acolhedor.
Nos atos #EleNão, mais do que uma presença massiva de mulheres petistas nas ruas, integramos o comitê de organização dos dois atos, no Largo da Batata e na Avenida Paulista. E nos dividimos entre ocupar as ruas e disputar opinião internamente, inclusive com aqueles que nos acusavam de decretar a derrota do PT nas urnas ao visibilizar uma agenda política de ataque a direitos civis (em diversos momentos reduzida a “costumes”), como estaria por vir nos governos de Bolsonaro e seus aliados.
A presença das mulheres do PT-SP nos atos do 8 de março ganhou outra envergadura, desde o processo de organização, passando pelo ato central na Capital, mas especialmente ganhando as ruas em diferentes cidades de todo o estado, com unidade política, identidade petista e articulação com as organizações que constroem no mesmo campo que o nosso. Não por acaso o grande ato antes da pandemia foi o 8 de março na Paulista, que ao longo do dia reuniu milhares de mulheres em uma grande tenda do PT. Foi tão potente que nem a chuva foi suficiente para interromper nossa mobilização.
Elas por Elas
Implementamos o Elas Por Elas São Paulo, uma ação de mobilização, articulação e organização de candidaturas femininas, que começou em 2018, rodando o Estado de São Paulo para realizar planejamentos de campanha, dialogar com as mulheres que estavam em dúvida sobre candidatura e orientar aquelas que, mesmo experientes na militância, não sabiam por onde começar. A relação foi tão forte, que possibilitou um processo de ajuda mútua, com candidatas doando recurso para outras candidatas, inclusive entre aquelas que disputavam o mesmo cargo.
Se em 2018 aumentamos o voto nas mulheres do PT, em 2020 o resultado da continuidade veio com a ampliação das eleitas, mesmo diante da diminuição do número total de parlamentares eleitos no estado: em 2016 o PT elegeu 32 vereadoras de 197 eleitos pelo PT; em 2020 chegou a 46 mulheres dentre os 136, com a ampliação da participação de negras, LBTs (incluindo duas mulheres trans) e a projeção de lideranças femininas por todo o estado.
Lidando com a pandemia
Apesar de 2020 ter sido marcado por importantes resultados eleitorais para as petistas de SP, foi também o ano em que a pandemia nos obrigou a refazer muitos dos nossos planos, dentre eles abrir mão de realizar os encontros de mulheres nas Macros ou a jornada estadual de formação. Mais do que nos adaptar a uma conjuntura de crise com dimensões sanitária, política e econômica, ou aprender a utilizar ferramentas tecnológicas, tivemos que construir um processo de interação à distância, para o qual ninguém estava preparada.
A grandeza da tarefa me obrigou a oferecer uma dedicação além do que pode ser capturada em uma foto, um vídeo ou mesmo em uma intervenção pública. E exigiu uma capacidade de acolhida, especialmente para mulheres vítimas de diferentes tipos de violência, muitas delas sem saber onde buscar ajuda, outras apenas buscando ser ouvidas e a grande maioria sem forças para buscar processos jurídicos ou disciplinares. Muitas delas com questões tão reais e verdadeiras, quanto acusadas de “subjetivas” para o ambiente da política. A violência política de gênero é uma epidemia que precisa ser combatida de maneira intransigente.
E foi por reconhecer a importância do momento político para as mulheres do PT que dediquei meus dias para, ao lado de minhas companheiras, poder construir uma Secretaria de Mulheres forte, atuante, respeitada e respaldada pelo conjunto das petistas, inclusive aquelas que ainda não se reconhecem como feministas. E quando o desafio é grandioso, a dedicação precisa estar à altura.
Passar o bastão
Muito tem se falado sobre o autocuidado e o bem-viver, valores que as mulheres negras e indígenas ensinam e que não podem ser apenas hashtags em redes sociais. Para mim, encerrar esse ciclo tão potente à frente da Secretaria de Mulheres do PT-SP é a compreensão desses ensinamentos em minha vida. O que não significa deixar de contribuir coletivamente com as mulheres do PT, apenas que a dedicação, o empenho e a capacidade inventiva que as mulheres do PT exigem precisará de outra liderança. Mas, certamente, “o que tá bom vai continuar e o que não tá a gente vai melhorar”, porque pessoas passam e o que fica é aquilo o que se constrói.
Eu sinto muito orgulho dessa tarefa, que até hoje já foi a mais gratificante que já exerci no PT. Eu tive a honra de ser membro do Diretório Zonal de Cidade Ademar, onde iniciei minha militância; fui membro do então coletivo municipal da JPT da Capital e depois da executiva estadual da JPT, quando esta se tornou instância; participei do coletivo municipal de mulheres, fui membro do Diretório Nacional e secretária de organização do DM da Capital. Foi o exercício dessas tarefas que me tornou a militante que hoje eu sou.
Mas nenhuma delas, por mais importante que sejam, se equiparam, em desafio e realização, ao que foi estar à frente da Secretaria Estadual de Mulheres do PT-SP. Sou muito grata às centenas de mulheres que dedicaram seus dias a construir a chapa “Feminismo Popular, com Raça e com Classe”, desde 2017, e às que, estando em outras frentes, ao longo desses quase quatro anos, se somaram à nossa luta.
Até o último dia oferecerei o meu melhor para as mulheres do PT e certamente faremos um grande encontro neste segundo semestre, à altura do que as mulheres do PT exigem, apesar dos limites que a pandemia impõe.
Muito obrigada, mulheres do PT! Minha história jamais será a mesma por causa de vocês.
Debora Pereira, Secretária Estadual de Mulheres do PT-SP
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